Segure o fôlego.
Vamos lá, somente por sofrimento
solidário.
Eu não podia respirar.
Viu?
A pressão em meu peito era
demasiadamente forte e um calor estranhamente reconfortante partiu dessa zona
para o resto do meu corpo. A sensação de dormência já abarcava os meus membros,
contudo eu ainda segurava aquele último suspiro.
O sopro da vida.
Da minha vida que, no caso, não possuía
grandes expectativas.
Poeira de astros, dizem que somos. Uma
estrela morrendo, espalhando sujeira no Universo e vejam só a confusão. Quem
será que fica para limpar a bagunça no final de tudo?
Uma golfada de ar. O fim do eu. Tão
prepotente e somente um mísero sopro me separava do esquecimento total. Tentei
forjar a indiferença com o momento saudada por Albert Camus e imaginar meu
corpo apodrecendo, gradativamente, no fundo das águas. As feições disformes e
torcidas em um último apelo. Os glóbulos oculares vazios e resquícios de tecido
cutâneo flutuando ao redor.
Não, não era para ser assim. Eu queria
ser cremado, convertido - ou desconvertido - em átomos que não estariam mais
interligados uns aos outros formando, de tal maneira, essa matéria que chamei
de eu por alguns anos. A imagem aleatória de pequenas partículas soltando as
mãos umas das outras, deixando de ser um para se transformar em cada qual,
invadiu minha mente e eu precisei me censurar por tal mediocridade.
São meus últimos momentos, não demorará
muito até que a ordem comandada pelo meu cérebro - cerebelo ou bulbo, aliás,
qual a diferença mesmo? Ah, quem se importa, de qualquer forma, estou morrendo.
Pesquisaria sobre isso se tivesse oportunidade, mas em vista da ocasião… Um
pouco mais perto da morte e ainda divagando. Frustrante. - não aceitará mais
uma recusa ao extremo apelo por ar. Quando isso acontecer, irei inalar grande
quantidade de água e depois disso nada mais pode ser surpreendente. Como em um
livro, no momento que você descobre quem era o assassino. Fim. Sem necessidade
de dar continuidade.
Me foi prometido um filme em
retrospectiva da minha vida - a tenra infância, uma cena minha brincando de
alguma coisa; a adolescência, alguns amigos ao meu redor, rindo abertamente - e
até tentei induzir este palco, porém, quando mais precisamos, as melhores
recordações nos escapam e somente a lista do super mercado lhe surge na
cabeça.
O cotidiano e as necessidades básicas
sempre venceram a batalha contra o importante.
Talvez eu devesse ter tirado um tempo
nas minhas segundas para tentar entender qual o sentido de estar ali procurando
pela ordem no caos. Tudo aquilo - estudar a vida inteira, ir à faculdade,
conseguir um bom emprego, acordar cedo, ser o funcionário do mês, cuidar da
saúde para prolongar meu papel de coadjuvante entre outras miudezas - somente
para acalentar a ânsia de saber que, pelo menos, estou fazendo alguma coisa e
não só parado, esperando o tempo passar.
E o tempo passou, sem louvores, me
arrastando para o fundo daquelas águas escuras.
Meu lado poético gosta de enxergar, de
vez em quando, o Universo no emaranhado de fios de cabelos negros de uma
divindade melancólica. Planetas, luas e estrelas entrelaçados em seus cabelos.
E claro, buracos negros em lugar de olhos. Por isso as pálpebras se mantêm
fechadas em uma feição triste. Aqueles olhos já absorveram demais.
Essa divindade me atrai mais que o deus
da culpa, é reconfortante cogitar conhecê-la, mas então me recordo que ficarei
somente deitado servindo de jantar às criaturas marinhas.
E assim, sem nenhum filme da minha vida
ou esclarecimento filosófico sobre a existência, cedi aos impulsos biológicos
urgentes e absorvi o máximo que pude, roubando com grande gosto aquela porção
de água para mim. Era só o que eu teria.
Meu último pensamento foi para a
divindade melancólica. Acho que descobri o porquê de sua tristeza.
Ela sabia demais.
A ignorância é uma bênção.
"Poeira de astros, dizem que somos. Uma estrela morrendo, espalhando sujeira no Universo e vejam só a confusão. Quem será que fica para limpar a bagunça no final de tudo?
ResponderExcluirUma golfada de ar. O fim do eu. Tão prepotente e somente um mísero sopro me separava do esquecimento total. Tentei forjar a indiferença com o momento saudada por Albert Camus e imaginar meu corpo apodrecendo, gradativamente, no fundo das águas. As feições disformes e torcidas em um último apelo. Os glóbulos oculares vazios e resquícios de tecido cutâneo flutuando ao redor. "
Confesso que me faltou o ar ao ler esse trecho. Talvez seja porque tenho uma queda por esses detalhes que nos transportam a história. Poderia afirmar que estive ao lado deste corpo enquanto o mesmo cogitava sobre seu destino.
Fantástico.
Gabriel Pontes