Só o vazio fica

Foto: Divulgação/Warp Films/Weinstein Company | Disponível em: http://bit.ly/1HYBOpM

Noite. Uma dessas noites melancólicas. Melancolia virou uma parte de mim. Se bem que, atualmente, o vazio é, também, uma parte de mim.

Uma cafeteria pequena e escura. O cheiro de algo que lembra chocolate em pó misturado com leite. Eu. Ali.

Mastigo algo. Bebo algo. Não sei o que é. Meu cotidiano tornou-se alheio de mim. Minha vida segue sem mim.

Pisco.

Rua. Ar gelado. Gente demais. Observo os transeuntes. Assisto-os, distante, como assisto àquela que deveria ser eu, vivendo a vida pacata. Vivendo o vácuo.

Vácuo.

Vazio.

O tempo passa em outra dimensão. Não sinto que tenho controle sobre minha existência. O mundo segue seu rumo, independente do indivíduo, isso é sabido. Mas daí a minha própria vida seguir sem mim?

Segue.

Eu me tornei uma espectadora de minha própria vida.

Dou um passo e já não estou mais onde estava.

Luz. Cadernos. Colégio.

Olho para os lados e percebo meus colegas, concentrados. Um deles acena para mim, um meio sorriso amarelo, rápido. Olho para frente e o que vejo são desconhecidos.

Bancos. Plataforma. Estação. Sento-me. Paro. Olho para cima. Céu azul. Há quanto tempo o inverno se foi?

O céu não me causa ansiedade, desejo de aproveitar o dia. O carpe diem.

O céu não me causa nada.

O mundo não me causa. Eu não espero mais nada. O que preenche meu ser, quando não a melancolia, é o vazio. Inunda-me como uma represa inunda o que há pela frente quando a barragem é rompida.

O vazio me preenche, por mais contraditório que possa parecer.

Não sinto. Não percebo nada ao redor. Não é egoísmo. É mais um desinteresse pelo mundo. Um mal estar no mundo.

Não sei em que ponto da minha trajetória me perdi. Não descobri em que ponto tornei-me nada. Repenso o passado e nada me ocorre.

Sempre fui assim, então. É a conclusão plausível. No fundo, somos todos vazios.

Buscamos preencher o nada com momentos e pequenos prazeres, mas o buraco, o nada, o vácuo continua lá.

Todos os dias, ao levantarmos, começamos o esforço para preencher o vazio, mesmo que inconscientes disso. Todos os dias, ao olharmo-nos no espelho, vemos um vazio tentando ser preenchido. É nisso que acredito.

Acredito que ao levantar de minha cama diariamente às cinco horas da manhã, levanto para mais um dia que passa. Implacável. Levanto para mais um dia em que tentarei preencher lacunas impossíveis de serem preenchidas.

E sigo a vida. Ou a vida me segue. Ou a vida segue sem mim e eu observo.

Tudo passa. Nada é absorvido. Só o vazio fica.

E o vazio é quem me acompanha.

"Como uma pessoa fica tão vazia? [...] Quem esvazia a gente?" - Ray Bradbury