Sinopse:
Virgínia olha para o
passado, mas mal consegue se ver. Sua antiga eu é apenas um vulto atrás de uma
cortina embaçada. Aquela mulher, que ela agora encarava aos olhos no fundo de
um espelho sujo, já possuiu uma alma cristalina, calma, decente e amável, mas
era difícil se lembrar dela.
Agora, aquela memória era
feita em mil pedaços e em seu lugar se encontrava aquela criatura de
personalidade incógnita. Ao fazer um
breve balanço das ações que a levaram àquele destino, só culpava a si mesma. A
tentativa de ser uma cidadã integra fez com que sua vida se tornasse um
verdadeiro caos. Foi ali onde seu cristal ganhou uma rachadura. Foi
testemunhando um crime, que se viu transformar aos poucos em um monstro frio,
invejoso e sedento de morte, exatamente igual ao primeiro monstro que a criou.
Prólogo
O som de seus passos ecoava no cômodo quase
vazio enquanto corria até as cortinas e
as fechava com um puxão brusco. Aproveitou a proximidade com a parede para
apoiar ambas as mãos no concreto frio, sua respiração escapava acelerada e
irregular. O coração batia nervoso dentro do peito.
Por hora, estava salva,
mas não havia muito tempo a perder. Seu rosto agora era um alvo marcado. A
vontade de gritar e despencar ao chão era grande, suas pernas bambeiam, seus
olhos ardem e se enchem de lágrimas. Mas o tempo em que podia se dar ao luxo de
fraquejar se fora.
Se descola da parede e
caminha ao banheiro, mas não sem antes fazer uma parada para pegar os itens que
comprara em sua última ida ao mercado.
Ao espelho, seu cansaço
é denunciado pelos círculos escuros que rodeiam seus olhos. Suas bochechas
haviam perdido a cor e uma gota de sangue brotava do meio de uma rachadura em
seu lábio inferior. Virgínia, como agora era chamada, saca uma escova macia da
sacola de compras e penteia pela última vez suas ondas castanhas.
O cabelo descia até
logo acima da cintura, já não era mais brilhoso e macio, e sim quebradiço e
rebelde, mas ainda mantinha certa beleza. Entrelaça os dedos por entre os fios
com um saudosismo bobo de quem cultivou aquele cabelo por muitos anos.
Sentindo as mãos tremerem
um pouco, pega a tesoura, separa os fios e corta a primeira mecha logo abaixo
do lóbulo. Sem se preocupar muito com simetria, vai acertando as tesouradas até
que quase todo o cabelo caia em seus pés. Puxa os últimos fios da frente diante
dos olhos e os enrosca para cortar a franja. Com a tesoura na vertical, a
franja cai na altura do nariz.
Após dar uma breve
sacudida nos fios que restaram e bater os cabelos espalhados pela roupa,
encontra novamente seu olhar no espelho. O rosto é um pouco arredondado demais
para o corte curto, as olheiras pareciam ganhar mais destaque, bem como o seu
nariz. No mais, estava apresentável.
Antes de finalizar a
transformação, Virgínia senta sobre o sanitário fechado e leva uns bons minutos
passando as mãos pela cabeça. O tamanho dos fios não chega nem a cobrir os
dedos. Respira fundo, ia precisar de um tempo até se acostumar com aquela nova
identidade.
O outro item comprado
no mercado era uma tinta ruiva, quase laranja. Chegou a rir enquanto uma
lágrima escapou desobediente rumo à sua bochecha. Ser ruiva havia sido um sonho
antigo. Não dela, mas de alguém que agora não podia mais sonhar.
“Laranja é a sua cor. Pode crer”, quase dava para ouvir a voz dela em sua mente. E
mesmo negando veementemente que jamais seria ruiva, lá estava ela com o
alaranjado em mãos.
O processo de tintura
foi mais demorado, e apenas no começo da noite Virgínia finalmente pode encarar
sua nova face. O cabelo ruivo molhado lhe caía levemente sobre os olhos,
garantindo que dali para frente seria Virgínia Glass até o dia de sua morte.
No canto da sala, as
malas esperavam sem jamais serem desfeitas. O caminho agora seria mais tortuoso,
já que seu rosto estava em todos os noticiários e não restara mais ninguém para
lhe dar cobertura. O show agora era solo.
Esperou a madrugada
chegar deitada na cama, sentindo os músculos dos ombros e das costas imploraram
por ao menos uma noite inteira de sono, mas não podia se dar mais ao luxo das
oito horas.
Era uma noite fria e o
clarão de alguns relâmpagos deixava evidente que uma chuva estava prestes a
desabar. Naquela época do ano chovia intensamente quase todas as noites. Fechou
os olhos por um instante e caiu em sono suave, daqueles que se oscila entre
estar adormecido e acordado.
Acordou duas horas
depois com o estrondo de um trovão. A janela aberta fez com que a chuva
encharcasse a cortina de tecido desbotado. Virgínia olhou rapidamente no
relógio de pulso, a madrugada caía. Estava na hora de ir.
Levantou, juntou os
cabelos do chão e os frascos vazios em um saco plástico, olhou pela última vez
através daquela janela, fechou-a, e pegou a mala de mão. Não era tão pesada
quanto deveria ser para uma viagem tão longa.
Suspira, e junto com o
ar frio, vem o toque agudo anunciando um telefonema.
Virgínia hesita. O
telefone que toca, é o único que não deveria tocar. Nunca. Enfia a mão na bolsa
e rapidamente olha o número da tela. Não há dúvidas, é exatamente a única
pessoa que ligaria naquele telefone.
Observa o número na
tela durante todo o período em que o celular permanece tocando, até a ligação
cair e o quarto retornar ao silêncio.
Rapidamente ela tira o
chip do celular e o quebra, joga o aparelho no chão e trinca a tela com o
solado da bota. Infelizmente, aquela era uma pessoa que deveria encerrar
contato, mesmo sendo a única que Virgínia realmente gostasse de contatar. Enfim,
joga tudo no saco plástico e o fecha com um nó. A pessoa que poderia atender
àquele telefonema não existia mais, fora sufocada pela identidade de Glass.
Após vestir a capa de
chuva, Virgínia sai do prédio com a mala e o saco de lixo em mãos. Deposita a
sacola na lixeira e sai a passos apressados pela calçada vazia. A água bate
fria na capa enquanto ela se encaminha até a rodoviária.
Antes que chegue à
esquina, uma silhueta alta se esgueira para fora de um beco do outro lado da
rua.
- GLASS! – ele grita e
pega Virgínia de surpresa. Seu braço está estirado na direção de Virgínia com
uma arma sendo apertada com força na mão. – Ponha a mala no chão.
Ele está ensopado e
visivelmente bêbado. Sem muita hesitação, Virgínia o obedece.
Sorrindo, ela ergue as
mãos enquanto ele atravessa a rua e se aproxima a passos tortos.
- Como me encontrou? –
ela pergunta com seu tom oscilando entre tranquilidade e inquietação, mas ele
não responde. Apenas agarra seu maxilar com força e enfia o cano da arma em sua
boca. Seu olhar derrama ódio.
- Acha mesmo que pode matar
a minha família e sair borboletando como se nada tivesse acontecido hein? Sua
putinha! – Ele grita e a veia em seu pescoço salta. Seus olhos estão
vermelhos. Ele chora.
É um homem acabado, e a
última coisa que lhe resta é aquele desejo irreparável de vingança. Estava no
encalço de Glass há anos, mas só agora a encontrara. A destruição do tempo era
visível em cada linha do seu rosto.
Glass apertou os olhos,
e por mais que tentasse ordenar o pensamento, apenas o sabor metálico da
pistola em sua boca se revirava em sua mente.
O homem continuava a
chorar, sua mão era quente contra o maxilar de Virgínia, mas seu toque era
arisco. Não havia para onde correr daquele toque. Mas era a sua culpa que
realmente a sufocava.
Prendeu a respiração.
A arma fora engatilhada.
Lara, cadê o capítulo de hoje? Se me fizer gostar da sua história e depois demorar horrores para publicar, eu vou ser obrigada a roubar seu notebook! Cuidado kkkkkkk
ResponderExcluirMas Thamily menine, capítulo novo da minha só semana que vem aheuahueahuea Acho que vai ter resenha hoje, ou crônica xD
ResponderExcluirSó semana que vem? Que absurdo. Te contar, viu...
ResponderExcluirFia a gente tá só começando, a gente vai inserindo conteúdo aos pouquinhos.
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