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Glass: Capítulo 2 - Homens


Capítulo 2 – Homens

Levi sorriu do seu jeito tímido bem característico quando a mãe o abraçou calorosamente.

- Feliz aniversário meu bebê! – Melissa sussurrou em seu ouvido.

- MÃE! – Levi resmungou, apesar de adorar as demonstrações excessivas de afeto da mãe.

- Pare com isso Mel, o garoto já está fazendo dezoito anos, já não é mais uma criança. – Robert falou de longe, enquanto enchia um copo de uísque. – Está na hora de deixá-lo virar homem.


Melissa lançou ao marido um olhar magoado.

- Ele vai ser pra sempre o meu bebê, não me importo com que o que diga.

Levi logo se esquivou do abraço da mãe, sentiu a repreensiva do pai lhe martelando a mente. Ser filho do delegado mais respeitado da cidade fazia com que uma responsabilidade extra caísse sobre seus ombros: a responsabilidade de ser tão durão quanto ele.

Robert deu um gole em seu uísque e chamou o filho para uma conversa particular. Levi era um garoto forte, alto, sem músculos definidos, mas com uma estrutura boa. Bom em esportes, apesar de preferir o videogame, cabelos de um louro dourado, e olhos azuis como safiras, herdados da mãe. Os dois saíram para a varanda, a noite era fresca e úmida.
Os dois permaneceram um longo tempo em silêncio, ouvindo os sons noturnos e aproveitando a brisa fresca.

- Você cresceu rápido, filho. – Robert disse logo depois de dar um bom gole na bebida.

- É... – rápido demais, pensou Levi.

- Eu andei conversando com sua mãe sobre o que te dar de aniversário. Bom, foi um pouco complicado decidir. – Robert abriu brevemente um sorriso e o garoto o acompanhou abrindo um sorriso tão breve quanto. – Mas no fim, sua mãe e eu chegamos a um consenso e decidimos.

Levi observou enquanto o pai tirava um pacote do bolso e lhe estendia. Sorrindo, Levi abriu o presente e notou que era um relógio. Prateado, reluzente e com o emblema do exército gravado na pulseira. O garoto sorriu e agradeceu.

- Valeu pai, é muito bonito. – disse logo após abotoar o relógio no próprio pulso.

- Ótimo! Achamos que ia gostar, assim como vai gostar do que tenho pra te falar. - Robert fez uma cara de expectativa, e logo prosseguiu. - Eu e sua mãe conversamos e decidimos que será bom para seu amadurecimento ir ao treinamento juvenil do exército. Lá você aprenderá muito, além de que é uma boa oportunidade para trabalhar seu físico e sua mente, para se tornar um homem de verdade e fazer jus ao legado do seu avô.

Levi estava paralisado. Como diria o que realmente pensava da academia militar sem transformar aquilo num terremoto familiar? Secretamente, ele já havia se inscrito em algumas faculdades, a convivência com a burocracia que o pai enfrentava diariamente o influenciou a gostar da área legislativa, apesar de que Robert jamais aceitaria que ele seguisse qualquer outra carreira senão a militar.

Os olhos do garoto se fecharam e ele puxou o ar tentando ganhar tempo para dizer o que estava em sua mente. Robert então prosseguiu.

- A academia não é tão ruim quanto deve estar imaginando, isso vai ser bom pra você filho.

Levi abriu a boca para falar, mas apenas ar saiu dela. Ar entrecortado.

- Se você diz que vai ser bom para mim, então vai ser. – Levi sorriu e se odiou por completo por ser tão covarde. – Quando começa?

Robert abraçou o filho, absolutamente extasiado de felicidade, deu alguns tapas em suas costas e o apertou com um pouco mais de força entre seus braços. Era um sonho que se realizava.

- Daqui a dois meses, quando sua escola tiver entrado em recesso.

Do outro lado do abraço, Levi começava a pensar em suas possibilidades.

Dentro da sala, Melissa acompanhou a conversa entre pai e filho pela janela. Se sentiu extremamente mal por ter se deixado persuadir pelo marido em mandar o próprio filho para uma academia militar. Levi era muito novo, a vida militar era extremamente perigosa, ainda mais se tratando de um país que volta em outra se mete em alguma guerra.

Encheu a taça de vinho e tomou um largo gole, sentindo o calor da bebida abraçar seu corpo. Os olhos lacrimejaram um pouco, mas rapidamente limpou as lágrimas com as mãos.

O som de um celular vibrando sobre a mesinha de centro interrompeu seu pensamento, ela o pegou rapidamente e ao ver que o número era desconhecido caminhou a passos largos para a cozinha, na parte mais oposta da casa. Seu tom de voz se fez baixo.

- Sim?

- Onde você está? Estou esperando há horas! – A voz dele era grossa e arrastada, estava levemente alterada pela bebida.

- Hoje eu não posso, é aniversário do meu filho, esqueceu?

No outro lado da linha ele soltou um suspiro.

­­- Ah, me esqueci disso. Não há nenhuma chance de vir aqui hoje?

Melissa enrolou um cacho solto do cabelo acastanhado e ponderou um pouco, lançou um olhar de relance para o local onde Robert e Levi agora se abraçavam.

- Não. Outro dia, quem sabe.

Um suspiro irritado soou do outro lado da linha.

- Me ligue se mudar de ideia.

Do outro lado o telefone ficou mudo, era sempre assim, ele nunca se despedia. Melissa soltou um suspiro pesado e largou o celular sobre a mesa. Deu largos goles no vinho até ver o copo esvaziar, o pousou sobre a mesa e sentiu seus pensamentos ficarem enevoados. Abriu um sorriso amargo para si, seu casamento estava em decadência, seu filho seria enviado para longe e seu amante era um crápula da pior espécie. Sua vida estava uma maravilha só.

A cozinha estava embebida no aroma do jantar. Dentro do forno o prato favorito de Levi espalhava um aroma delicioso pela casa. Mel calçou as luvas térmicas e tirou o empadão de frango do forno, colocando-o sobre a mesa.

A essa altura Robert e Levi já estavam de volta à sala, o marido falava energicamente sobre as mil maravilhas da academia e o filho apenas ouvia tudo em silêncio.

- Ei vocês dois, o jantar está pronto! – Melissa chamou de forma amável.

Levi foi o primeiro a vir, antes que ele se sentasse à mesa, Melissa o abraçou com força e sussurrou rapidamente no ouvido do filho.

- Vai ficar tudo bem, vou tentar convencê-lo a desistir da ideia. – o garoto abriu seu sorriso tímido e típico, ele sabia que aquilo não era verdade. O pai era a verdade absoluta naquela casa.

Antes que Robert chegasse à cozinha, Levi já havia se desvencilhado da mãe e se sentara a mesa, esperando que todos estivessem ali para começar a comer.

Todos se sentaram e Melissa serviu o prato de cada um com uma porção generosa e fumegante do empadão com recheio cremoso, começando pelo filho aniversariante e terminando em si mesma. Mal tiveram tempo de saborear a primeira garfada, quando o telefone da sala tocou e Robert se levantou sem cerimônias.

Melissa lançou um olhar faiscante a ele, mas ele respondeu com um dar de ombros.

- Deve ser o detetive Carlile, é importante.

Depois disso o marido se enfiou para a sala e começou a falar em vítimas, assassinos e outras coisas que tiraram completamente o apetite de Melissa.

Depositando os talheres ao lado do prato, Mel massageou as têmporas e fechou os olhos. Era sempre assim. As prioridades de Robert na frente de tudo e todos. E suas prioridades normalmente sempre envolviam trabalho.

- Você precisa contar para ele. – Levi disse baixinho, mas com a boca cheia de comida.

- Contar o quê? E não fale de boca cheia.

Levi engoliu o que tinha na boca e prosseguiu.

- Você precisa contar que não o ama mais, a gente precisa ir embora dessa casa.

- Shhhhh! Não diga besteiras! – Melissa sentiu o corpo tremer de nervosismo, nunca imaginou que Levi soubesse de uma coisa dessas.

- Precisa contar que tem um aman...

- JÁ CHEGA! – Os punhos dela bateram cerrados na superfície rígida da mesa. – Coma sua comida quieto, Levi!

A expressão de Levi se fechou em uma carranca e ele enfiou uma enorme garfada do empadão na boca. Um longo instante de silêncio se passou enquanto ele mastigava. Até que ele retomou sua fala, ainda mais baixo do que antes, como se falasse apenas para si mesmo.

- Se você não fizer algo eu faço. Prefiro morrer a ir para aquela academia.
- Nós vamos dar um jeito, mas nunca, nunca toque nesse assunto com seu pai! Está me ouvindo? Agora termine sua refeição.

Melissa sentiu a adrenalina correndo em seu organismo. Mesmo sem fome, enfiou uma larga porção do empadão na boca, ainda mastigava quando Robert surgiu na cozinha com seu paletó colocado.

- Preciso ir até a delegacia.

- O que? Vai mesmo voltar para aquela delegacia no aniversário do seu filho?

Robert fez uma cara rígida, típica de quando Melissa tentava repreendê-lo inutilmente.

- É um caso importante. – Robert caminhou até Levi e beijou sua cabeça. – Feliz aniversário filho. Eu volto o quanto antes. – disse a última sentença olhando para Melissa e se retirou.

Melissa abaixou a cabeça e apertou os punhos. Estava absolutamente cansada de levar aquela subvida que levava há quase vinte anos com Robert, sendo sempre trocada pelo trabalho, obrigada a aguentar suas atitudes tiranas e seus péssimos hábitos. A conveniência do casamento lhe proporcionou muitos luxos durante anos, mas agora os luxos não supriam mais a extensa cota de desapontamentos.

- Termine sua janta no quarto Levi, preciso ficar um pouco sozinha. O rapaz se levantou e despejou um olhar penoso sobre a mãe, Mel sabia que era sua última esperança. Levi tomou o prato e o preencheu com mais um pouco de empadão.

- Quando ele sair eu vou dar uma volta com o Billy e a Sara, pra ver se salvo a minha noite.

- Tudo bem, agora suba. – O garoto girou nos calcanhares e subiu ao quarto.

Ali sozinha Melissa deixou algumas lágrimas rolarem por seu rosto, mas não sabia dizer se eram de tristeza ou raiva. Ouviu o som do carro de Robert dando a partida.
Pegou o celular sobre a mesa e discou o número que estava gravado na sua cabeça.

- Mudou de ideia?­ – Parecia mais bêbado do que antes.

- Sim, onde o encontro?

O sorriso dele do outro lado lhe arrepiou a espinha, apesar de provavelmente aquele ser o homem mais perigoso da cidade, não conseguia deixar de se sentir excitada só com aquele riso sombrio.

- Estou na nossa casa.


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