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A Hora da Estrela – Uma história além de uma história



Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Ano: 1998 (Original de 1977)
Páginas: 88
Nota: 4,5/5
Sinopse: O romance narra as desventuras de Macabéa, uma moça sonhadora e ingênua, recém-chegada do Nordeste ao Rio de Janeiro, às voltas com valores e cultura diferentes. Macabéa leva uma vida simples e sem grandes emoções. Começa a namorar Olímpico de Jesus, que não vê nela chances de ascensão social de qualquer tipo. Assim sendo, abandona-a para ficar com Glória (colega de trabalho de Macabéa), cujo pai era açougueiro, o que sugeria ao ambicioso nordestino a possibilidade de melhora financeira.
Por vários motivos, este é um livro que pode ser considerado de difícil leitura. As divagações e jogos de palavras, típicos da autora, e o enredo seco, a história de uma pessoa que não se destaca em nada, pode incomodar um leitor mais habituado com obras dinâmicas, com muita ação e poucos devaneios. Mas, para aqueles leitores mais sensíveis, que buscam algo além do lugar comum, é uma leitura genial! Se você nunca leu uma obra de Clarice Lispector, um aviso: prepare-se para muita reflexão, idas e vindas e quebras de raciocínio. 

A autora é famosa por este estilo fragmentado, como geralmente acontece na mente de uma pessoa hiperativa – que não consegue manter o foco por muito tempo e se perde em devaneios. Isso acontece porque a estrutura da obra é atípica, além dos personagens que participam da história, outro personagem se apresenta: Rodrigo S.M., o “autor” fictício, é ele que narra os fatos, e conta a história de como escreveu sobre a vida da protagonista, utilizando o recurso da metalinguagem. Ele ainda reflete sobre a obra e compartilha com o leitor suas reflexões, em um desses vários momentos filosóficos, o falso autor explica porque essa história deve ser contada por um homem:
Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas: e põe em cheque até mesmo a importância de seu trabalho diante da manifestação de vida
A autora era uma pessoa muito culta, ela sabia que “escritora mulher” é um pleonasmo vicioso, ou seja, um erro básico de linguagem – mas ela queria enfatizar bem que a história não poderia ser escrita por alguém do sexo feminino, tanto que o “sobrenome” do escritor inventado é S.M., a sigla de Substantivo Masculino. E por que tanta ênfase, ela realmente acreditava que as mulheres são tão passionais que iriam chorar muito e não conseguiriam contar a história de Macabéa? Ou será que é uma crítica ao machismo da sociedade brasileira da época, não muito diferente hoje, que valoriza muito mais um trabalho quando é feito por um homem? 

A resposta, cabe ao leitor decidir. Estou divagando como Rodrigo (na verdade Clarice Lispector) e ainda nem falei da história em si, como comentado na introdução, a protagonista não tem nada de especial: é uma imigrante nordestina como milhares de outra, que não tem nenhum talento, não sabe falar direito, não é vaidosa e nem muito inteligente. Sua existência é um retrato da pura irrelevância, nas palavras do narrador:
Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiram como não existiriam. Poucas se queixam e ao que eu saiba nenhuma reclama por não saber a quem. Esse quem será que existe?
É uma moça de bom coração mas ingênua, o único sentimento que desperta nas pessoas é a piedade. Então, o que ela tem de especial que merece ter a vida retratada em um livro? Afinal, o que cada um de nós tem de especial, afinal como ela, todos podemos ser substituíveis? Como se pode vê, o livro não é fácil de ler, não pela pobreza de elementos narrativos, mas pela dureza dos questionamentos – tal como um filósofo que insiste em martelar perguntas difíceis em nossa mente, que nos incomodam porque sabemos que são pertinentes, por mais que sejam difíceis. 

O escritor-narrador tem noção tanto desta pobreza narrativa quanto da dificuldade que estes questionamentos levantam, por isso, ele demora em começar a contar a história, tenta se esquivar da moça e procrastinar, mas ela não deixa, a realidade está lá gritando alto demais para ser evitada, e só resta a ele, atendê-la e contar os fatos:
Mas desconfio que toda essa conversa é feita apenas para adiar a pobreza da história, pois estou com medo. Antes de ter surgido na minha vida essa datilógrafa, eu era um homem até mesmo um pouco contente, apesar do mau êxito na minha literatura. As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins porque o que amadurece plenamente pode apodrecer
Por isso, um conselho: se você for se dispor a ler esse livro, por mais que possa parecer enfadonho, persista e termine-o. Além de haver uma reviravolta interessante no final, é muito mais que um simples passatempo, é uma leitura inteligente que nos leva a pensar de forma inteligente. 

Um comentário:

  1. Oi Alessandro, tudo bem?
    Eu já li este livro, mas já fazem tantos anos que nem me lembrava mais da história.
    Por isto foi muito bom poder ler sua resenha e ir me lembrando das sensações durante a leitura.
    Ótima resenha.
    Abraço.
    Lia Christo
    www.docesletras.com.br

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