O despertador escandaloso do
passageiro da frente ecoou em todo o ônibus. Já passava das
três horas da madrugada e aquela noite não havia sido nada proveitosa para mim. Passei a noite em claro, o sono não veio nem quando contei carneirinhos, árvores, nuvens, sorvetes...
Mariana, a moça do assento
ao lado conversou comigo a tarde inteira (único momento em toda a viagem em que
eu estava sonolenta). Contou todos os detalhes de sua vida, sobre os cinco cachorros,
o namorado e xingou o motorista de lerdo e pançudo. Quando as luzes do ônibus
desligaram ela dormiu, e no meio da noite babou em meu ombro.
O despertador continuava
tocando e todos acordaram menos o dono do objeto barulhento. Vê se pode uma
coisa dessas? Quem em sã consciência coloca o despertador para três horas da
manhã?
Os passageiros mais
irritados tentaram acordar o rapaz, mas sem sucesso. Parecia uma pedra,
totalmente imóvel. Alguns começaram a ficar preocupados, uns gritavam, outros
riam da desgraça de ser acordado naquele horário. Uma menina tentou mexer no
celular, porém era bloqueado com senha.
Do outro lado do ônibus, Mariana
ouviu a conversa da amiga do rapaz do despertador com outra pessoa. “Ele tem
problemas de saúde. E não trouxe seu remédio. O que faço?” dizia. Mariana interrompeu
o papo e contou que talvez pudesse ajudar.
Descobri que Mariana era
médica. Quem diria? A doida babona era médica.
Após checar o rapaz, concluiu
que ele talvez estivesse com insuficiência respiratória e precisariam ir a
algum hospital urgentemente. O menino ia morrer no ônibus!! Estávamos no meio
do mato. Celulares com sinal? Nem pensar. Posto de saúde, farmácia, lanchonete,
posto de gasolina? Nada, nada e nada.
Mariana prendeu os cabelos
castanhos em um coque qualquer e tentou reanimá-lo. Observei o rapaz de longe, parecia
uma boneca de pano de tão magrinho e estava roxo como uma beterraba. Olhei em seus
olhos castanhos e eles olharam de volta para mim. Aquele era o rosto de meu
irmão Pedro que faleceu devido a um
ataque cardíaco há alguns anos. Não.
Procurei a amiga do rapaz
e perguntei seu nome. Rebeca. Nome da
namorada de meu irmão. Não, não, não! O que está acontecendo? Voltei ao tempo e
estou presenciando seus últimos segundos?
- Pedro, estou aqui.
Calma. – Segurei sua mão com força.
***
- Alice?
- Alice?
A voz era suave e
aveludada, assim como o toque de sua mão em meu rosto.
- Ela voltou! Finalmente. –
Choramingou a voz.
Olhei para os lados, havia
vários tubos em mim. E minha mãe estava chorando ao meu lado.
As memórias voltaram
vagamente. O ônibus havia tombado de madrugada em um barranco.
- Mãe, cadê o Pedro? –
Sussurrei.
- Filha.. ele..
- Não precisa falar mais
nada.
Estive em coma, senti isso.
E meu irmão me trouxe de volta de alguma forma.
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