A temporada com as principais premiações do cinema encerrou-se com o Oscar. Os longa-metragens Birdman e Boyhood somaram juntos mais de 50 prêmios em diversas categorias, adquiridos em cerimônias e festivais entre 2014 e 2015. Ambas as películas protagonizaram uma ferrenha disputa pelo reconhecimento de público e crítica, sendo que Birdman levou a melhor no final. Mas como qualificar a melhor entre duas obras excepcionais do cinema contemporâneo, marcadas pela originalidade de suas tramas e pelos desafios homéricos de produção?
Se
colocarmos os enredos lado a lado podemos observar o retrato cru de duas realidades
bem distintas. Enquanto Birdman orbita o badalado universo da Broadway,
(incluí-se aí atores, produtores e críticos) Boyhood habita um pacato universo
familiar do sudoeste americano. Vamos então de Nova York ao Texas, com
histórias que se passam em extremos opostos em todos os aspectos, mas com algo
comum em sua essência: a trajetória de um personagem.
O garoto
Mason Evans, vivido por Ellar Coltrane em Boyhood, é tudo o que o Riggan
Thomson de Michael Keaton não quer se tornar em Birdman: um cidadão anômino e
desinteressante. Nesse ponto existe uma irônica metalinguagem desproposital: ao
interpretar um jovem absolutamente comum vivendo uma vida normal, o
desconhecido Ella Coltrane alçou-se aos maiores holofotes do meio
cinematográfico, enquanto Keaton, uma celebridade hollywoodiana quase esquecida
no tempo, interpreta um famoso ator em decadência que busca desesperadamente
por reconhecimento.
O propósito
e intensidade das atuações marca a diferença entre as duas obras. Por ter um
teatro como cenário, Birdman proporciona aos seus atores um verdadeiro palco,
onde o ato de atuar iluminado por holofotes diante de uma platéia envolve o
artista em uma áurea divina. O estrelado elenco demonstra um notável esforço em
aproveitar a chance de atuar em um filme que nasceu pretenso ao Oscar para dar
o melhor de si. Afinal, o business faz a carreira em Hollywood. Em Boyhood, ao
contrário, percebe-se nos dois personagens principais (Mason Evans e sua irmã
Samantha Evans, interpretada por Lorelei Linklater) a atuação como um pesado fardo. É como se lá
pelo sexto ano de filmagens os dois atores já não quisessem mais fazer parte
daquilo.
No quesito
direção, Birdman se mantém pretenso ao espetáculo que ironiza e atordoa seu
protagonista. O ininterrupto plano seqüência do diretor Alejandro González
Iñárritu chega a ser ridículo de tão bem executado. Mas a beleza de um sensacional apuro técnico
para a realização de cada cena escancara uma afetada pretensão da produção. Iñárritu
parecer estar atuando atrás das câmeras, dizendo o tempo todo “olha o que eu
sei fazer”. Richard Linklater, por sua vez, filma com desinteresse, mantendo o
foco nos diálogos casuais, deixando seus atores livres no quadro.
Os diálogos,
por sinal, são um grande ponto de divergência entre as duas obras. Proferidos
de forma teatral em Birdman, são apresentados de forma notadamente improvisada
e natural em Boyhood. Enquanto um elenco tem consciência da câmera que os
persegue em cada passo, o outro parece esquecer que está atuando. A naturalidade
do roteiro afinal pesa ao lado de Boyhood, enquanto Birdman força a
teatralização como metalinguagem.
O elemento
catarse, tão valorizado em grandes trajetórias encenadas, está a favor do filme
de Iñárritu, e se mostra ao final na sua forma mais pura. Já na obra de
Linklater, no entanto, não há qualquer sentimento catártico em relação ao
destino do personagem. A sensação é de que a bateria da câmera simplesmente
acaba após 12 anos de filmagens, e de que toda a produção respirará aliviada. E se alguém tivesse a ideia de filmar durante
12 anos, usando somente plano sequência? Seria unir o que esses dois filmes tem
de mais peculiar, e provavelmente exigiria a melhor montagem e dição de todos
os tempos. O resultado seria no mínimo interessante.
Os argumentos
que podem qualificar uma obra como superior a outra certamente podem ser usados
também para desqualificá-la, tendo os dois filmes semelhanças tão sutis de
enredo e diferenças tão brutais de execução. O fato é que Birdman e Boyhood são
filmes com pretensões tão distintas que tal comparação nunca será justa. Porém,
cada um possui elementos técnicos e narrativos que apresentam diferentes formas
de se fazer cinema. Seja retratando a vida de uma celebridade ou a vida de um
garoto comum, cada qual o faz como convém, dando espetáculo para o espetáculo,
e simplicidade para a simplicidade.
Nunca ia pensar em comparar as duas obras, ficou muito bom.
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