Resenha: Simplesmente o Paraíso - Quarteto Smythe-Smith #1 Resenha: Uma Lição de Vida Resenha: Era uma Vez no Outono Resenha: Secrets and Lies
6

Wall-E: Sustentabilidade, Filosofia e Sociologia numa animação infantil

Direção:  Andrew Stanton
Roteiro: Andrew Stanton e Pete Docter
Duração:  97 minutos
Ano de lançamento: 2008
Gênero: Animação, Comédia, Família


Sinopse: Após entulhar a Terra de lixo e poluir a atmosfera com gases tóxicos, a humanidade deixou o planeta e passou a viver em uma gigantesca nave. O plano era que o retiro durasse alguns poucos anos, com robôs sendo deixados para limpar o planeta. Wall-E é o último destes robôs, que se mantém em funcionamento graças ao auto-conserto de suas peças. Sua vida consiste em compactar o lixo existente no planeta, que forma torres maiores que arranha-céus, e colecionar objetos curiosos que encontra ao realizar seu trabalho.Até que um dia surge repentinamente uma nave, que traz um novo e moderno robô: Eva. A princípio curioso, Wall-E logo se apaixona pela recém-chegada.

Uma amiga certa vez comentou comigo que O Pequeno Príncipe não devia ser um livro infantil, isso porque as crianças não conseguem entender toda complexa profundidade da trama e a obra acaba virando uma historinha bonitinha. O mesmo acontece com o filme Wall-E, o filme é muito bem escrito e com tantas referências a outras obras, que deveria ser indicado para adultos.



A começar pelo enredo, o mundo como conhecemos acabou: e seu fim não foi causado por zumbis, alienígenas ou um grande cataclismo natural. Nada disso, o que causou o apocalipse foi lixo, sabe aquele papelzinho de bala que você jogou no chão porque não tinha nenhuma lixeira por perto? Então, esse inocente papelzinho é um dos culpados do fim, não só dos humanos, mas de praticamente toda forma de vida na terra – ainda sobram as baratas, mas quem liga pra elas?

Claro esse problema que deve ser mostrado às crianças, mas reduzir toda mensagem político filosófica desse obra à uma propaganda sobre sustentabilidade e a importância dos 3 Rs (reciclar, reduzir e reutilizar) é desqualificar Wall-E. Não é só um filminho-lição-de-moral que mostra o problema do lixo nas sociedades urbanas; é muito mais e vou explicar o porquê.

1. Classismo e qualidade de vida. Axiom, a nave que salva todos os humanos sobreviventes pertence à uma empresa privada, certamente a passagem pra um cruzeiro no espaço que durasse “alguns poucos anos” não era barata. O que aconteceu com quem não tinha o dinheiro pra embarcar? O Planeta Terra tem 7 bilhões de habitantes, isso se imaginarmos que no futuro quando o desastre começou e a nave partiu a quantidade se manteve, a bordo da Axiom só havia cerca de 200 pessoas e não há relatos de outras naves com sobreviventes, o que indica que BILHÕES de seres humanos e outros animais morreram de gases tóxicos, e só alguns pouquíssimos (provavelmente os mais ricos!) sobreviveram e vivem no luxo, sem nem se lembrarem do resto da humanidade.
Também há uma revolta de robôs que foram mandados para a sucata, uma analogia com as lutas de classe.

2. Capitalismo e política. O CEO da Axiom também era o presidente do mundo, ou seja, uma empresa privada conseguiu poder político e dominou todas as nações – imagina quem fosse contra alguma política dessa empresa ou a considerasse desleal.

3. Romance. Há um envolvimento amoroso entre Wall-E, que era um robô ultrapassado, que vivia na Terra coletando lixo (uma referência clássica a um cidadão de uma comunidade pobre, trabalhador braçal), e EVA um robô super futurista, cheio de tecnologia de ponta e que vivia no espaço (referência também, a uma cultura mais rica). Poderia ser só mais uma história de amor, à la Romeu e Julieta. Mas, não é. A relação entre os dois passa por muitos problemas e dificuldades, mas não há nenhuma forma de discriminação, seja por parte de EVA ou de qualquer outro personagem na história! Isso porque robôs não tem preconceito! Isso é uma “qualidade” humana.

4. Luta pela vida. A trama começa a se desenrolar quando Wall-E encontra uma plantinha, que prova que a vida na Terra já é possível de novo. Ele e EVA precisam entregar essa plantinha dentro da Axiom, porém o robô-navegador que controla a nave não quer voltar à Terra e por isso faz tudo para impedi-los; a “rebelião” liderada por Wall-E (meio que jogada nos ombros dele), é uma luta dos que defendem a vida contra os que defendem o status quo e não querem que o mundo mude de maneira alguma, mesmo que isso vá contra a natureza e a vida.

5. Comodismo. Os últimos humanos sobreviventes vivem em um estado de torpor, servidos diuturnamente pelos robôs, eles nunca se levantam de suas cadeiras e chegam a ter braços e pés atrofiados pela falta de exercício, toda interação entre seus companheiros de viagem é feita através de uma pequena tela à sua frente, que não permite verem como é o mundo à sua volta. Essa situação toda é uma crítica ao mundo atual, no qual todos vivem de olho em seus aparelhos smartphones e parecem desligados da vida. As únicas pessoas que realmente fazem alguma coisa (ou na palavra do capitão: “vivem e não apenas sobrevivem”) são às pessoas que saem de seu conforto e passam a ver o mundo de verdade, fora da tela – o casal que Wall-E, acidentalmente liberta e o capitão da nave.



Além dessas referências, há vários easter eggs e mensagens no filme. Se você não assistiu ou nunca viu por esse ângulo, aconselho-lhe a procurar uma forma de (re)assisti-lo, vale a pena cada minuto.

Colaborador Alessandro Bruno

6 comentários:

  1. Adoro Wall-E. Quando vi pela primeira vez eu nem tinha notado todas essas coisas. Hoje em dia pensando no filme eu percebo tudo isso que você falou. Assim como o Ratattoulie acho que o WallE passa uma mensagem bem maior que o filme. Acho que a mensagem que ele deixou comigo é a de sair do seu comodismo e tentar buscar sua casa. Aquela cena do gordinho (nem lembro o nome auhsuahs) andando pela primeira vez, "saindo do comodismo" me marcou muito. É um filme muuito bom.

    http://rotaseis.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É isso mesmo, Guilherme. O bom de literatura (e cinema é uma obra literária) e que uma obra bem escrita sempre tem muitas interpretações possíveis, cada vez que você lê/assiste pode perceber uma coisa diferente.

      Sobre Ratattouile, eu escrevi uma resenha aqui também. Já viu?

      http://www.rascunhocomcafe.com/2014/11/ratatouille-sobre-ratos-natureza-e-arte.html#.VNt2f3XN88o

      Excluir
  2. É importante desconstruir esse conceito de que as crianças "não entendem". Com certeza cabe a nós, adultos, auxiliarmos elas a terem um melhor aproveitamento do filme para que não seja mais um ato de consumo, mas, com certeza, elas entendem muito mais do que pensamos. Obrigada pelo ótimo post!!!

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...