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O despertar de si mesmo


Esta é uma crônica que escrevi para um trabalho da faculdade. O texto tinha que relacionar a pintura Narciso, de Caravaggio (vide imagem), com a cidade de Palmas (TO). Quem não conhece o mito de Narciso? Com certeza é um dos mais conhecidos, mas, para quem não está familiarizado com ele, aqui vai um "resumão": Uma bela ninfa chamada Eco amava Narciso, porém ele, por se achar tão belo como os próprios deuses, rejeitou o amor dela. Para dar uma lição ao rapaz, a deusa Némesis condenou Narciso a apaixonar-se pelo seu próprio reflexo na lagoa de Eco. Encantado pela sua própria beleza, Narciso deitou-se no banco do rio e ali ficou, sem se preocupar com mais nada, e acabou definhando, olhando-se na água. 


Ele andava pelas ruas sem direção. “Vem com a gente”, haviam lhe dito. “Você vai se apaixonar por Palmas e seu pôr-do-sol”. Pobres tolos. Mal sabem eles que seu coração já tem dono, e não há lugar para mais nada.
Essa cidade quente era desconhecida para ele. O sol já se punha no horizonte, e ele seguiu naquela direção, sem se preocupar em onde estava indo ou por onde andava. Só queria saber onde aquilo terminaria, como uma criança à procura do fim de um arco-íris.
Ele havia viajado para Palmas para passar umas semanas com uns “amigos”. Sim, entre aspas, pois quem precisa de amigos? Não existem amigos de verdade, eles só servem para te apunhalar pelas costas. Seu único e verdadeiro amigo era ele mesmo, e era só dele mesmo que ele precisava.
Se ele se sentia só? Claro que não. Seu reflexo nos vidros das janelas dos carros estacionados na rua era suficiente para alegrar seu dia. Mas bem que seus “amigos” até tinham razão: o pôr-do-sol era muito bonito. Não era apaixonante, pois o rapaz só amava a si mesmo, mas até que tinha sua própria beleza.
Seguindo a luz, ele continuou caminhando. Passava pelas inúmeras rotatórias, e enfrentava o pequeno, mas irritante, trânsito das 18 horas.
Se ele quisesse continuar acompanhando o sol, deveria andar mais rápido. O sol já estava quase desaparecendo no horizonte, e daqui a pouco não haveria mais sinais dele. Alguns minutos e vários passos depois, ele se encontrou na praia. Olhou para os lados, e viu que se chamava Praia da Graciosa. Suspirou. De graciosa essa praia não tinha nada.
As poucas pessoas ao seu redor nem pareciam perceber sua presença. Mas como ousam? Não há rapaz mais bonito do que ele nessa cidade, todas as garotas, e os garotos também, deveriam reconhecer isso.
Será que havia alguma coisa transfigurando seu belo rosto? Não havia outra explicação para ninguém perceber sua notória presença, não era assim que ele estava acostumado. O rapaz gostava de ter todos os olhares sobre si sempre que passava ou entrava em algum lugar. Por que não estava acontecendo isso nesta cidade?
Agora ele parou pra pensar. Deve ser a cidade. Em nenhum momento de sua caminhada até a praia ele foi o centro das atenções. As pessoas pareciam mais preocupadas em correr para chegar aos seus destinos no horário certo, e tão centradas em seus afazeres, e não deram a mínima para o rapaz.
Cada vez menos ele gostava de Palmas. As pessoas daqui não sabem apreciar a beleza. Pelo menos, era o que ele pensava.
Aquelas famílias na praia pareciam felizes enquanto tomavam seus copos de cerveja em um quiosque, e algumas crianças pequenas mais felizes ainda brincavam de construir castelos na areia.
Ele esperava que todos ao seu redor fossem infelizes sem a sua presença, mas isso não estava acontecendo. Talvez o infeliz fosse ele mesmo. Mas não o deixe saber que eu disse isso.
O feliz, mas infeliz rapaz, se aproximou da praia e mirou o vasto lago. Próximo dali havia uma ponte conectando os dois lados de terra, ele percebeu. Olhou para baixo na água, e viu seu reflexo. Mas qual era o problema? Ele já havia visto seu reflexo inúmeras vezes, aliás, mirar sua imagem sendo refletida em outro plano era um de seus passatempos preferidos.
Alguma coisa estava errada. Este rapaz velho e feio refletido na água não era ele. Ou era?
Ele apalpou seu rosto. Tudo ali parecia estar normal, do mesmo jeito de sempre. Então porque a água refletia uma imagem diferente? Ele não era assim. Ele era belo, o rapaz mais belo que já havia passado por esta cidade.
Talvez essa imagem seja só coisa de sua imaginação. Talvez o rapaz seja tão narcisista que é belo por fora, mas feio por dentro. Uma coisa eu tenho certeza: essa imagem irá atormentar para sempre a vida do jovem rapaz. Deve ser uma desolação e tanto ser belo e feio ao mesmo tempo. Talvez ele até fique louco, acabe internado em um hospital psiquiátrico e se suicide. Mas se isso acontecer, ele pelo menos foi amado. Por ele mesmo.

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