Autor: Raphael Draccon
Editora: LeYa
Ano: 2011
Páginas: 175
Sinopse: Um homem acorda acorrentado com os braços para cima em uma sala escura, com dois torturadores vestidos com detalhes masoquistas ao lado e um interrogador baixinho, vestido com roupas sociais e uma camisa surrada do Black Sabbath. Eles o informam que ele acordou em uma banheira sem um rim e sofreu um choque amnésico, que o impede de lembrar os detalhes. Assim sendo, eles partem do princípio de que outros choques traumáticos podem desbloquear essas memórias, se necessários. E se iniciam as piores partes. O livro faz referências à lenda urbana da banheira de gelo, às lendas ao redor da história do rock’n roll e até às motivações e psicologia ao redor da criação de lendas urbanas.
Depois de ler “A Batalha do Apocalipse”, do
Brasileiro Eduardo Spohr, confesso que minha curiosidade pelo seu concorrente
no gênero de fantasia nacional, Raphael Draccon ficou atiçada. Famoso por ser o
autor da saga dos “Dragões de Éter”, Draccon, assim como Spohr, já possui uma
legião de fãs apaixonados por seu universo.
Mas foi a falta de verba desta que vos fala que
fez com que eu comprasse um livro fora do gênero fantástico, mas de um outro
que eu confesso ser apaixonada: thriller. Ah! Como eu amo thrillers! Mas os
anos fizeram de mim cobra criada em relação ao gênero, especialmente pelo Sr.
Stephen King, preciso dizer que é preciso de certo esforço para me impressionar.
“Espíritos de Gelo” é um livro fino, daqueles que
se lê na fila de espera do consultório médico (tá, nem tanto, mas ainda é uma
leitura rápida), com letras grandes e capítulos curtos e fluidos. Os capítulos
são divididos em uma espécie de POVs (Point of View = Ponto de Vista), mas que,
ao invés de serem voltados às personagens, é alternado em ambientes, dependendo
de onde a narrativa do personagem está.
O texto é narrado em primeira pessoa em que o
personagem, que não tem seu nome divulgado, relata aos seus algozes toda a sua
vida até sua chegada ali, ao cárcere. Contudo, o personagem não se lembra dos
detalhes, devido ao choque traumático que os eventos lhe proporcionaram, e como
forma de fazê-lo trazer à tona suas memórias, seus raptores o induzem a torturas
extremas, tais como eletrochoque, quebras de ossos e espancamentos com bastões
de baseball, a fim de fazê-lo revelar suas memórias reprimidas, ao criar novos
traumas.
Já no início do livro, Draccon dedica o livro a
Stephen King, algo que já é o suficiente para por minhas expectativas no alto,
e, acreditem ou não, a decepção não veio. Pelo contrário, Draccon me
surpreendeu com um livro inusitado, que mescla sexo explícito com religião,
violência e amor incondicional. Parece loucura, mas eu achei que a mistura deu
super certo, e inclusive lembra bastante a linha lógica (parcialmente ilógica)
dos contos de King.
Como podem perceber, esse não é um livro para
pessoas com mente condicionada, especialmente por religião e conservadorismo.
De conservador, Espíritos de Gelo não tem nada. É preciso estar aberto ao que
esse livro traz.
A trama narrada pelo personagem gira em torno de
sua vida como um típico playboy descompromissado e dependente do pai, que ao
perdê-lo vê sua vida entrar em colapso. Ao perder a empresa por ser incapaz de
conduzir os negócios do pai, o personagem se vê a beira do suicídio quando
conhece Mariana, uma bela mulher, que o introduz a gostos peculiares.
Mariana faz parte de uma espécie de seita/doutrina
que prega que o sexo é mais do que um prazer carnal, mas uma entidade capaz de
elevar a alma do ser humano. O narrador da história é introduzido a esse
universo, que dá diversas voltas até levá-lo ao modo em que é encontrado no
início do livro: torturado, ferido, acorrentado e sem um rim.
Apesar do clima “pesado” que envolve a trama, a
narrativa é descontraída e engraçada, Draccon diversas vezes usa símbolos da
cultura pop como parâmetros comparativos que o personagem faz, seja com as
tragédias que o envolvem, ou até mesmo tirando sarro de seus algozes. No
decorrer da leitura é possível se deparar como o Sandman, de Neil Gaiman, com
os irmãos Winchester, da série televisiva Supernatural, além de inúmeras
discussões sobre rock, metalcore e satanismo, envolvendo os Beatles, a banda
Kiss e até Alice Cooper.
Espíritos de Gelo é um prato cheio, e ganha pontos
especialmente por ser curto e sucinto. A história é contada sem a necessidade
de mergulhos muito profundos, e, como disse, é perfeita para uma leitura rápida
e pouco complexa. O estilo não lembra muito ao do Stephen King, a qual Draccon
dedica o livro, até que chega ao final. O desfecho do livro não podia ser mais
surreal e o mais “King” possível. Sabe aquele final meio maluco, sem ser bem
fechado, mas que não decepciona? Esse é o final de Espíritos de Gelo.
Outro ponto em que levei um pouco de tempo
refletindo, foi sobre a relação do título do livro com a narrativa. A princípio
eu não vi nenhuma ligação, mas então percebi que os “Espíritos de gelo” tratam
das pessoas que forçam o suficiente para serem frias e cruéis, tais como os
algozes do personagem.
Mas então quer dizer que o livro é todo positivo?
Sim e não.
Em determinado momento, as comparações que Draccon
utiliza entre a trama e a cultura pop deixam de ser novidades e passam a ser um
tanto forçadas, além de outras coisinhas relacionadas a narrativa, mas são
apenas artifícios, que eu, que também escrevo, não curto muito usar. Mas
preciso dizer que a fórmula de Espíritos de Gelo funciona, e funciona muito
bem.
É como um bate papo casual entre você e o
personagem, tão rápida e informal quanto deve ser, além de ser íntima, e em
muitos momentos divertidíssima.
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