Eu não sei rimar.
Não sei transpor meus ideais com doces palavras cantadas. Nem
consigo pensar rápido o suficiente para transformar meus pensamentos na minha
própria voz. Mas consigo seguir o ritmo dos meus desejos, ainda que sem
explicação eles flutuem como o som dos mais variados instrumentos que eu não
sei tocar, e mudem de direção variando o timbre até se transformar numa canção.
Concreta. Pronta.
Me desculpe, eu não sei rimar.
As palavras que surgem são abertas, naturais, duras,
impensadas. São minhas palavras. Aquelas que vêm em tão rápido devaneio que
fogem sem muita explicação, sem dizer adeus, enquanto choro a despedida com as
anestésicas lágrimas nas quais consiste meu vício. Essas criam formas de
cidades vazias com árvores mortas e paredes tortas. Quebradas.
Com a pintura mais trivial, porque nem na arte calada eu sei
rimar.
E dentro de mim reajo com um transe disfônico que cresce em
forma de movimentos sem nexo, como uma raíz escura que não suporta a ideia
pré-concebida de seu próprio significado e cresce sem rumo para todos os lados,
como um cabelo que nunca foi penteado. Disforme. Ressecado.
Nunca dentro de tamanha incerteza eu poderia rimar.
Porque dentro das improbabilidades dos meus dias eu vago
entre o presente e o passado, enquanto carrego minhas memórias em uma sacola
furada que talvez não chegue ao próximo passo. Que carrego junto a mim, não por
temer soltá-la, mas porque no meio deste caminho terroso, ela guarda a letra da
minha vida fugida. Simples. Complexa. Paradoxal.
Minha própria história que é minha, minha, que eu não sei
rimar.
Apenas transformar.
Crônica escrita por Vanessa Mesquita, autora parceira do Rascunho com Café
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