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Autor, ficção e a essência das palavras



Ao contrário do habitual, isso não se trata de análises de textos, personagens ou escrita. Venho lhes falar dos homens e mulheres por trás da obra. Daqueles mestres de fantoches que existem escondidos atrás das cortinas. Daqueles que, dos bastidores, dão vida a histórias fantásticas. Qual é a relação entre esse sujeito com o que nos conta as páginas amareladas? É possível conhecer alguém através de seus escritos? E possível ir ao íntimo de um escritor, conhecê-lo a fundo? O que um livro de ficção diz sobre seu autor?

Nada, aliás, não passa de ficção.
No posfácio de Lolita, Vladimir Nabokov diz ter ouvido o aconselharem a ficar perto de pessoas mais felizes. Mas oras, por acaso, é necessário que exista um relação entre o escritor e seus personagens? A trama precisa ser um reflexo de alguma personalidade obscura do autor? Acaso não pode a obra, simplesmente, ser uma ideia do escritor? Ela precisa, necessariamente, conter um pedaço de seu autor ali, nas entrelinhas ou explicitamente?

Uma das características mais libertadoras da escrita é poder mascarar-se, ser um ser humano completamente diferente. Todo escritor é metade ator. Isso possibilita ao autor ser diversos. Ser todos em um. É uma forma de ser outra pessoa, em outra realidade, em outra vida, até. É preciso criar um passado, uma cicatriz, um caráter distinto e isso significa sentir. Ser vilão e herói ao mesmo tempo; ser vítima e algoz. 

Até entendo o lado de quem quis ajudar Nabokov. Muitas vezes transformamos autor/obra em uma massa disforme e achamos que ao conhecer um protagonista sabemos quem o criou; mas o fato é que as palavras foram feitas, em suma, para transmitir algo, mas não necessariamente sobre quem as produziu. Graciliano Ramos dizia que o ato de escrever deveria ser tal qual a meticulosa ação das lavadeiras ao realizarem seu ofício. 

“Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer [...] Torcem até não pingar do pano uma só gota [...]. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi 
feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”

Sem querer, de forma alguma, colocar esses monstros da literatura opostos um ao outro, digo que os dois me fizeram entrar em crise com minha identidade escritora - que ainda engatinha - devido as suas declarações. Ambos me obrigaram a revisar tudo que já tinha escrito e tentar tirar algo dali. O que eu estava transmitindo? Estavam inseridos nas linhas que trabalhei uma parte de mim? Ou eu era outra quando as transmiti para o papel? O que eu queria dizer e qual era meu objetivo central? Será que eu queria estar dentro da história que havia criado? Estar lá enquanto eu, escritora, não enquanto um personagem secundário?

Tentei extrair a essência das palavras, assim como Jean-Baptiste Grenouille, em O Perfume, tentava captar o âmago dos aromas. E, sobretudo, responder a pergunta crucial: será que isso realmente importa? Será? Será?

Todo esse dilema interno me fizera parar de escrever qualquer coisa por um longo período e até hoje eu tento resolvê-lo. Tudo isso fez com que minha cabeça girasse e, até o presente, eu tente procurar a solução para tais dilemas. Afinal, quanto de mim está dentro das linhas que trabalhei com ardor e dedicação? Quão forte  é a linha que separa autor e ficção?

“Lolita tem fama, eu não. Eu sou um romancista obscuro, duplamente obscuro, com um nome impronunciável.” Vladimir Nabokov

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