Foto da autora. Também em: https://www.instagram.com/p/BMGsnlihvOA/ |
Respiro fundo e olho pela janela. O décimo oitavo
andar pode proporcionar visões interessantes das coisas ao redor,
além de ser isolado, na medida do possível, do resto do mundo. Um canto à
parte.
Apoio-me na janela, colocando a cabeça contra a
rede – colocada ali para evitar acidentes e tragédias que poderiam causar
diversos transtornos - e que protege essa entrada de luz que adiciona vida a um cômodo pequeno –
o meu quarto.
Observo a paisagem ao longe, distante de mim.
Parece descolada da realidade, um mundo diferente. Prédios, casas, gente. Gente
vivendo. Levando a vida, seguindo. Como eu deveria, também...
Distraio. Não presto mais atenção. Meus pensamentos
flutuam. Na verdade, meu único objetivo na janela é a reflexão. O pensar. Ou o tentar pensar.
A depressão - o tratamento e tudo o que a envolve,
também - possui efeitos curiosos.
A melancolia, a sensação de vazio e de solidão
mesmo em lugares abarrotados de pessoas tagarelas - seguindo a vida -, a falta.
Falta do quê? “Você tem tudo”.
A falta.
Não é uma falta material. Não é uma necessidade de
ter algo físico, proporcionado pelo sistema. Tampouco é a falta de pessoas
próximas, importantes, necessárias ao redor. A falta é interna. No âmago.
Tento explicar: é uma ausência de vontade. Ausência
de ânimo. Ausência de motivos para seguir, continuar a vida, ir em frente. Ausência do elixir, da ânsia que leva algumas pessoas a viver cada
dia como se fosse único, irrecuperável.
A minha vontade – uma das poucas, talvez, que me
são permitidas pela minha mente – é fugir. Correr. Deixar tudo.
Sinto tudo muito intensamente, principalmente a
tristeza. Ou só a tristeza. Ela me sufoca, me destrói aos poucos, me afasta da
vida real, palpável.
Um comprimido pela manhã, um à noite. Dosagens
ajustadas às minhas necessidades biológicas e psicológicas. Água para ajudar a
descer – é importante não engasgar. É o tratamento. Leva tempo para melhorar de
fato. Mas me pego refletindo se quero.
Quero? Melhorar?
Passando em retrospectiva as fases da minha vida
das quais tenho lembranças mais ou menos nítidas, percebo que vivi imersa em melancolia. Domingos de vazio, semanas de estranhamento com relação a
mim mesma. As dores da sensação de solidão e de abandono tornando-se quase
físicas, esmagando meu peito e dificultando a respiração.
Respiro fundo para ter certeza de que, no momento,
elas não estão ali.
Mas me acostumei a isso.
Habituei-me às noites insones, às tristezas que me
imobilizavam por dias. Fiquei familiarizada com o vazio que existia (ou
existe?) dentro de mim. Acostumei-me à dor. Tudo isso era meu cotidiano e,
portanto, familiar. Tentava lidar da melhor forma que conseguia, apesar de
tudo.
Pressiono minha cabeça contra a rede com mais
força.
Tudo é confuso.
Os remédios, as sensações, os dias sem saber se
estou bem ou mal. Eu quero parar. Só um pouco.
Eu...
Penso se a queda é longa. Mas eu partiria... E
então?
Haveria dor? Descansaria? Sentiriam minha falta?
Questões.
Afasto-me da janela. Os remédios, sinto, tentam me
impedir de pensar, de afundar completamente no vazio que me é familiar.
Parece estranho pensar que um remédio pode
controlar o pensar. A sensação que tenho, entretanto, é de que ele me impede de
ir para baixo. De sentir intensamente a tristeza.
Não sei até que ponto isso é bom ou ruim.
O afundar era parte de mim, não? Parte da minha
essência, do meu “eu”?
Que restou, então? Nada. Meio-termo.
Nova pessoa. Novas sensações. Difícil me habituar a
ser outra.
O que sobrou de mim?
Não encontro resposta, e isso me desespera. Dias de
reflexão e não chego a lugar algum.
Mas os remédios, ah!... Por um breve momento,
relaxo. Mas me sinto estranha.
Quem sou eu, afinal?
A partida, alem da falta, deixaria muitos outros vazios, espaço que hoje é ocupado por uma pessoa muito especial que é vc.
ResponderExcluirForça.
ótimo texto, creio que representou uma grande massa,foi preciso e muito profundo todos os sentidos...
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